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A maior banda de todos os tempos

Texto: Fabricio Mazocco *Aviso de textão, mas vale a pena!

Depois da catarse vivida por mim e por mais de 50 mil pessoas no último sábado (17/6), no estádio Allianz Parque, na capital Paulista, na tour Encontro dos Titãs, passei um bom tempo refletindo: que outra banda ou artista nacional conseguiria a proeza de encher um estádio como esse por três dias consecutivos (sem contar os outros onde a banda passou)? Não só isso, que banda faria isso com uma história de mais de 40 anos? O que levou milhares de pessoas a celebrar esse Encontro, mesmo que muitas delas nem tinham nascido quando os integrantes começaram a sair do grupo? A certeza diante de toda indagação é: a maior banda de todos os tempos é… Antes de responder, faço uma viagem temporal.

Imagem: Marcos Hermes

Foi em um sábado, 4 de agosto de 1990. Eu, um adolescente de 15 anos e que amava o rock nacional, tive a oportunidade de ir a um primeiro show. No palco, ninguém menos que os Titãs, na tour “Õ Blesq Blom”. Todos eles, os oito. Estavam assim naquele palco (do lado direito para o esquerdo): Tony Belotto e sua guitarra preta; Arnaldo Antunes e Branco Melo e os microfones instalados em uma plataforma; Charles Gavin e a bateria; Paulo Miklos e seu saxofone; Sérgio Britto e os teclados; Nando Reis e seu baixo; Marcelo Fromer e sua guitarra. A disposição no palco 33 anos depois é a mesma, com exceção do convidado mais que especial, Liminha, fazendo a guitarra de Marcelo Fromer, morto em 13 de junho de 2001.

Muita coisa aconteceu nesse tempo de mais de 30 anos, entre um show e outro (antes disso, Ciro Pessoa saiu e André Jung foi substituído por Gavin): Arnaldo Antunes, o concretista e experimental do grupo, saiu em 1992; Fromer faleceu em 2001; Nando Reis saiu em 2002; Charles Gavin deixou a banda em 2010; e Miklos saiu em 2016. A banda continuou, mesmo com Branco afastado por um período por problema de saúde.

Eis que o projeto Encontro é criado e vai ganhando forma. Depois de muita conversa, os Titãs anunciam em 16 de novembro de 2022, uma tour, todos juntos, ao mesmo tempo. A princípio, uma agenda com início, no Rio de Janeiro, em 28 de abril de 2023, e encerramento em São Paulo, em 17 de junho. Ingressos à venda e a expectativa de sucesso foi ultrapassada. Algumas datas esgotaram, assim outros locais e dias foram aparecendo na agenda.

Imagem: Fabricio Mazocco

E aí sim chegamos no dia 17 de junho. Allianz Parque lotado, ingressos esgotados. Nas filas, jovens e muitos não tão jovens assim com camisetas do Cabeça Dinossauro, do Encontro e outras mais. Vendedores de rua oferecem copos com a cara de todos titãs, fitas, bonés e muito mais que se possa imaginar.

Ainda era dia e o frio ainda era suportável. O esquenta começa com a banda Colomy, que tem entre seus membros Sebastião, o filho do Nando Reis. Depois é a vez do grupo Sioux 66. Às 20h45, as luzes do Allianz se apagam. O público já começa a gritar (mal eles sabiam o quanto teriam que usar a garganta pelas próximas duas horas e mais um pouco de show). O fundo do palco fica tomado pela luz branca. A bateria eletrônica da “Diversão” ecoa pelo local. Os sete Titãs entram, um a um, e se instalam em posição digna de foto. Descem do “andaime” e Tony entra com o riff da canção e Miklos assume o vocal junto com o público. Definitivamente, os Titãs entraram com tudo.

Imagem: Fabricio Mazocco

Arnaldo assume a posição central do palco e Gavin entra com a bateria de “Lugar Nenhum”. Arnaldo canta como aquele moço da década de 80, inclusive inserindo o tradicional “brasileiro o caralho, o caralho”. Sérgio Britto deixa os teclados para cantar “Desordem”, afinal “quem quer manter a ordem?”. O gigante Branco Melo, com a voz sussurrando, fala da alegria de estar no palco depois de ter passado por uma cirurgia para retirada de um tumor na garganta. O público grita o nome de Branco, que emenda com “Tô Cansado”. Agora é a vez de Nando Reis assumir a posição central do palco para cantar uma das músicas mais polêmica da banda, a “Igreja”. Em seguida vem “Homem Primata”, com Sérgio Britto; “Estado Violência”, com Miklos; e Arnaldo Antunes emenda “O Pulso” e “Comida”. Nando Reis fala dos quatro anos que o Brasil passou e canta “Jesus Não tem Dentes no Pais do Banguelas” e “Nomes aos Bois”, sendo que nessa letra, que traz nomes que devemos esquecer, substitui Afanásio por Bolsonaro. Branco volta e encerra o “set” elétrico com “Eu Não Sei Fazer Música” e “Cabeça Dinossauro”. O telão exibe imagens dos Titãs no início da carreira. Enquanto isso, a técnica prepara o palco para mais um set, o acústico.

Imagem: Marcos Hermes

Com todos sentados em banquinhos, Sérgio Britto dedica a próxima música para um fã: “Epitáfio”. O estádio inteiro acende a luz do celular e canta junto. Nando Reis puxa “Os Cegos do Castelo”; Miklos canta “Pra Dizer Adeus”. A imagem de Fromer aparece no telão. Arnaldo vem do backstage trazendo Alice, a filha de Marcelo, e juntos cantam duas canções: “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”. Mais uma homenagem: Alice canta “Ovelha Negra”, da saudosa Rita Lee. Fim do set acústico.

Imagem: Fabricio Mazocco

Nando Reis assume o palco e canta “Família”. Britto canta “Go Back”, canção do primeiro disco, de 1984, mas que virou sucesso no álbum homônimo, de 1988. Mais uma justa homenagem: desta vez é para o tremendão Erasmo Carlos, compositor de “É Preciso Saber Viver”, com a voz de Paulo Miklos. Branco segue com “32 Dentes” e “Flores”. Arnaldo chama o Cride em “Televisão” e solta a raiva em “Porrada” – nota 10. Britto solta o grito em “AA UU” e “Polícia”. Miklos assume a posição de mestre de cerimônia para apresentar todos os Titãs, todos eles ovacionados pelo público. Ao final se apresenta como o “Bicho Escroto” e ela, a canção de mesmo nome, “fecha” o show.

Luzes apagadas e um gostinho de “quero mais” faz o púbico gritar “Titãs, Titãs”. As caixas de som começam a tocar a introdução de Mauro e Quitéria, a mesma que abre o álbum “Ô Bleq Blom”, enquanto a banda se posiciona novamente no palco.

Abre um parêntese particular e necessário. Foi com essa introdução, que a banda abriu o show naquele 4 de agosto de 1990. Foi uma viagem no tempo com muito significado para mim. O teclado de Britto, agora, assim como em 90, entraram com a introdução de “Miséria” para depois ele assumir o microfone e cantar. Agradeci por poder vivenciar novamente este momento. Fecha parêntese.

Nando Reis volta ao microfone para cantar “Marvin”, do primeiro disco, mas com a versão do álbum “Go Back”. Aliás, a grande maioria das canções segue a mesma versão da gravação de estúdio, assim como “Sonífera Ilha”, que Miklos assume o vocal e fecha o show. As luzes se acendem e a multidão ainda parece estar hipnotizada.

Imagem: Marcos Hermes

O palco da tour está espetacular e não deveu nada aos grandes shows internacionais (aliás, muito melhor que muitos deles). Um telão no fundo do palco, e nas laterais painéis verticais, um atendia uma parcela do público e outro a outra parcela do grupo. Imagens online levavam aos painéis o passo a passo de cada titã no palco, onde interagiam com o público, misturadas com imagens referentes a cada canção. Muitas cores e um jogo de luzes para ninguém botar defeito. Em resumo, um espetáculo que há muito não se via e ouvia.

De volta para caso vim pensando: será que algum outro artista ou banda nacional teria um público igual ao que foi na sexta, sábado e domingo, assim como nos outros shows? Não. Alguém poderia sugerir alguém do sertanejo universitário ou do funk, ou quem sabe Anitta? Não acredito. Mas caso alguém ainda duvide, vamos incluir na conta uma trajetória de mais de 40 anos. Silêncio. Será que alguma outra banda nacional ainda pode fazer igual proeza? Não acredito e por várias razões. Algumas que poderiam, infelizmente não contam mais com seu líder entre nós, como Legião Urbana e Barão Vermelho. Outras bandas, que têm sua imagem ligada a uma pessoa, como Roger do Ultraje, Humberto dos Engenheiros do Hawaii, continuam com suas carreiras por aí relembrando suas bandas. Os Titãs são diferentes Não há e nunca houve um líder. Não há um só vocalista. As composições não são só de uma pessoa, mas sim de um coletivo que sempre efervesceu na criação, seja na forma solitária ou com outro companheiro/companheiros do grupo, juntando o estilo peculiar e individual. Cada um seguiu seu próprio caminho, com sua trajetória própria, mas sempre trazendo as canções do grupo, o que fez com que uma nova geração sempre revisitasse a banda. O que vimos desta tour não deixa dúvidas de que Titãs é a maior banda de todos os tempos do rock nacional. E que venha outra para provar o contrário.

Músicas do show por álbum:

  • Titãs (1984):
    Sonífera Ilha
    Marvin * (versão do álbum Go Back)
    Go Back* (versão do álbum Go Back)
    Toda Cor
  • Televisão (1985):
    Televisão
    Pra Dizer Adeus (versão do Acústico MTV)
    Não Vou Me Adaptar
  • Cabeça Dinossauro (1986):
    Cabeça Dinossauro
    AA UU
    Igreja
    Polícia
    Estado Violência
    Porrada
    Tô Cansado
    Bichos Escrotos
    Família
    Homem Primata
  • Jesus Não tem Dentes… (1987):
    Comida
    Diversão
    Jesus Não tem Dentes …
    Desordem
    Lugar Nenhum
    Nome aos Bois
  • Õ Blesq Bom (1989):
    Miséria
    Flores
    O Pulso
    32 Dentes
  • Tudo ao Mesmo Tempo Agora (1991):
    Eu Não Sei Fazer Música
  • Acústico MTV (1997):
    Os Cegos do Castelo
  • Titãs Volume 2 (1998):
    É Preciso Saber Viver
  • A Melhor Banda… (2001):
    Epitáfio
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Fabricio Mazocco é jornalista, doutor em Ciência Política, professor universitário, fã de rock e criador do blog Rock 80 Brasil.