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Nunca mais haverá uma Rita Lee

Por Fabricio Mazocco, criador e editor do blog Rock 80 Brasil

A vida é cheia de incertezas, de deduções. Há quem, inclusive, arrisque previsões. Neste momento, concedo-me ao direito de afirmar que não há e nunca mais haverá uma Rita Lee Jones. Antes de acusações, faço questão de por ativas minhas considerações.

Ser uma Rita Lee no seu formato, na sua atitude, em 2023, não é difícil. Há tintas de várias cores para cabelo, inclusive a vermelha, que marcou a estética “RitaLeediana”. Mas ser uma Rita Lee não é só ter o cabelo vermelho. Tem mais, muito mais.

Há, hoje, quem fale do ser mulher, da mulher independente, da mulher com vontade de ser o que é e o que quiser (não com a mesma maestria da Rita). Mas falar desse assunto em pleno século XXI no Brasil não é tão difícil. Ter a coragem de falar em uma época que não se podia falar, só a Rita Lee conseguiu. Ser uma Rita Lee é muito mais que coragem.
Rita Lee fez rock no Brasil em uma época em que o rock engatinhava – tempo em que não se sabia se esse tal de “Roque Enrow” era uma mosca, um mistério ou uma moda que passou (parafraseando a própria). Teve até passeata contra a guitarra elétrica. Mas ela não se abalou: foi Mutante no palco e mostrou que o rock também é brasileiro. Ser uma Rita Lee é desafiar costumes.
Rita Lee falava o que bem queria e na hora que queria. Teve uma porrada de músicas censuradas pelo regime militar. As estrelas dos generais ficaram bravos quando ela disse que “mulher é um bicho esquisito, todo mês sangra”. Caretas. E ficaram bravos tantas outras vezes. Mais caretas. Foi presa e continuou a falar o que bem lhe dava na telha. Ser uma Rita Lee é não deixar se intimidar.
Houve uma época longa na história da humanidade em que a mulher nascia, crescia, aprendia a cozinhar e vivia o resto da vida cuidando dos filhos e do marido, fazendo todas as suas vontades. Rita Lee é dessa época e fez história mostrando e ditando o que é ser mulher em um tempo que ainda não existia espaço para a mulher se ela mesma. Ser uma Rita Lee é fazer história.
Rita Lee foi excomungada por se vestir de santa. E daí? Ela mesma criou uma nova santa, a Santa Rita de Sampa. Mas sempre deixou claro que nunca foi santa. Contradição? Que nada… Rita Lee mostrou que não precisa ter nome na missa para alcançar a divindade.
Por essas e tantas outras mais, reafirmo que nunca, nunca mesmo, haverá uma outra Rita Lee. Ela foi quem ela deveria ser, na hora que precisava ser, na intensidade que o momento pedia e da forma que nunca ninguém pensou e conseguiu ser. Sem Rita Lee, a história do rock brasileiro, da música brasileira, da cultura e dos costumes seria outra. Como seria? Não tenho a mínima ideia, afinal tivemos a Rita Lee, a única Rita Lee e não dá pra viver sem pensar que ela nunca existiu. Suas mensagens e atitudes continuam a existir para sempre. Ser Rita Lee é ser a única Rita Lee que existiu!

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Fabricio Mazocco é jornalista, doutor em Ciência Política, professor universitário, fã de rock e criador do blog Rock 80 Brasil.