/VIVA Barão! Entrevista com Guto Goffi

VIVA Barão! Entrevista com Guto Goffi

Eles prometeram e cumpriram a promessa. Depois de escolher um novo vocalista, o Rodrigo Suricato, no lugar do Roberto Frejat, o Barão Vermelho retornou para os estúdios e está lançando um novo álbum, o VIVA, o décimo terceiro de estúdio do grupo e o primeiro depois de 15 anos. Suricato, Guto Goffi, Maurício Barros e Fernando Magalhães (Rodrigo Santos saiu antes da gravação deste disco) agora tem a missão de pilotar esse Barão e fazê-lo voar ainda mais alto.
Assim que o grupo retornou, havia a pressão para o lançamento de um álbum de inéditas. Primeiro regravaram uma versão de “Brasil”, imortalizada na voz do primeiro vocalista da banda, Cazuza, depois alguns sucessos da banda e um single, o “A solidão te engole vivo” (que está no VIVA).
Ouvindo as nove canções do álbum, percebe-se ali um novo e um velho Barão. A influência do blues em Suricato mantém viva a chama da origem do rock. Um exemplo é a bela “Eu nunca estou só” (confira o clipe aqui), composta pelos quatro integrantes em 10 minutos. O piano de Barros, que reassume seu posto, está mais presente que nunca. É um álbum pra se ouvir direto e muitas vezes. O Barão Vermelho está de volta e respirando muito bem.
Para falar um pouco do álbum, o Blog Rock 80 Brasil fez uma entrevista exclusiva com o baterista Guto Goffi. Confira a seguir:

Blog Rock 80 Brasil – O lançamento de um disco de inéditas com novo vocalista é um recomeço ou uma continuidade?
Guto – Olha, pra mim é um pouco das duas coisas. Como estou desde o começo na banda, estive presente em todos os shows, gravações e eventos, sempre carrego comigo a sensação de continuidade. Agora não dá pra não aceitar que cada momento tenha as suas diferenças e atenções especiais. A troca dos vocalistas sempre foi um problema a ser solucionado, e fizemos isso muito bem sempre. A cada nova formação temos que redescobrir uma nova química de produção e convivência, buscar o melhor de cada um dentro de um processo colaborativo e dar corpo a essa arte coletiva. É um trabalho de grupo e todos devem estar presentes e se reconhecendo nele.

Blog Rock 80 Brasil – Como foi o processo de construção do VIVA?
Guto – A construção do álbum VIVA foi bem arrastada e de certa forma complicada. O fato de estarmos independentes, sem investidor, sem um selo multinacional, nos fez correr como podíamos, dosando o fôlego, agendas complicadas, para encontrarmos espaço pro Barão, e outras dificuldades correntes. A mais difícil foi mesmo colocar essa grande roda pra girar, e esses dois anos de investimento, nos deu o VIVA e nos faz enxergar um melhor momento pra banda, apesar da crise brasileira, da crise da música, e do peso da idade. É impressionante constatar que ninguém quer apostar em cavalo velho. Mas isso de certa forma nos motiva, eu sempre torço para o mais fraco e aposto cegamente no Barão, que pra mim é o maior conjunto do mundo da música rock.

Blog Rock 80 Brasil – Que elementos o Barão usa para mostrar que continua sendo o Barão e quais para mostrar uma nova face?
Guto – O músico com o tempo melhora, refina-se, começa a ser mais seletivo, não desperdiça energia e foco. A entrada do Suricato nos traz uma renovação espontânea, pois ele tem em torno de 15 anos a menos, e nos faz preocuparmo-nos em não termos uma sonoridade datada. Nos arriscamos sempre quando queremos nos manter vivos, na vida e na arte. Enxergamos essa sobrevida ao grupo porque tínhamos lenha estocada para muitos invernos. Venho fazendo um papel de defesa ao grupo desde o início da carreira solo do ex-vocalista, e acho que consegui preservar muito do que era pra ser destruído. Agora novos tempos de bonança, produção em larga escala. Me incomodava muito ouvir que o Barão Vermelho não tinha mais nada de novidade para apresentar e gravar. A torneira estava propositalmente fechada e agora vamos tomar banho de cachoeira. A vida acaba se equilibrando quando algo vem com restrições e descompensado.

Blog Rock 80 Brasil – Em algumas letras do novo disco, nota-se uma celebração da amizade.
Guto – “Da amizade quero muito Tudo que puder sonhar”. Essas frases são minhas e são o que espero de uma amizade. Não quero amigo pra pagar meu almoço ou dividir conta de enterro. Quero amigos em que eu possa confiar, e que não deixem suas pequenezas e mesquinhezas atrapalharem algo maior, como a amizade, que é um alinhamento espiritual com quem você admira, respeita e fortalece acima de tudo. O que destrói amizades geralmente são dinheiro e mulher, o homem é tão pequeno que consegue brigar sempre por esses motivos. A ganância individual de cada um tem que aprender a dividir. Quem quer tudo pra si, deixando escorrer migalhas, pros outros terá uma solidão maior que o planeta pra carregar de corcunda. Nessa fase nova do Barão, trouxe de volta pra perto a amizade do Maurício Barros, meu companheiro de sonhos desde os tempos do ginásio (ensino médio). Isso vale zilhões de dólares e apocalipses que impulsionam nosso crescimento na velocidade de um cometa.

Blog Rock 80 Brasil – No atual cenário brasileiro, tanto em termos políticos, econômicos e morais, como podemos entender a palavra “Viva”?
Guto – VIVA foi o despertar de um gigante que estava dopado e sendo alimentado cruelmente a pão e água, numa tortura que parecia interminável, mas a vida realinha as coisas e o mal com o tempo vai se diluindo. Agora é esse grito de positividade e celebração. O grande milagre da vida é a própria vida e eu não dispenso essa encarnação por nada. Quero a felicidade a qualquer custo e temos um time remando e acreditando na mesma direção. Tenho um orgulho prazeiroso do passado, mas já passou. Agora é o agora, é o que o futuro puder nos dar. Depois dos 50 anos, se cair uma maçã do céu, coma, pois é pra você! Caiu uma caixa de maçãs na minha cabeça, e vou comer todas, dia-a-dia como a vida gosta de escorrer…

Blog Rock 80 Brasil – Amor ou medo, o que mais guiou o novo disco?
Guto – Eu nunca me senti pior que as coisas que tem rolado na música brasileira e internacional. Sempre enxerguei a força criativa do grupo como uma grande luz, só faltava o esforço e a dedicação dos músicos para aplicá-las e trazer isso à tona novamente. Mas é claro que temos um pequeno grilo de sermos ridicularizados ou chamados de ultrapassados ou um artista sem ideias novas, por isso o disco novo não contar com colaboradores externos e mostrar na cara o potencial criativo do novo quarteto.

Blog Rock 80 Brasil – Desde 2017, quando o Suricato entrou na banda, o Barão lançou regravações e um single (que está novo disco). Esse tempo foi importante para a banda se entrosar e planejar os próximos passos?
Guto – Olha, eu gostaria que pudéssemos ensaiar todos os dias. Dessa forma teríamos como lançar música nova todo mês, fora a evolução da banda no palco. A música exige um processo de repetição que faz todos ficarem e soarem a vontade. Esse álbum nasceu dentro das nossas possibilidades de encontros e convivência. Se tivermos mais tempo juntos pra gastar, mais músicas e álbuns novos virão.

Blog Rock 80 Brasil – Falando em próximos passos, o que podemos esperar do Barão daqui pra frente?
Guto – Esse VIVA, provavelmente será o nosso último álbum que saíra em formato físico para atender ao fã e colecionador mais antigo. Quero esse fã com um CD físico em sua coleção, com o novo vocalista, que se Deus permitir será perpetuado no posto avançado que foi dos ex-cantores. Não quero mais passar por isso novamente, meu saco já deu, mas quem sabe tudo da vida? Se tiver que encarar de novo vou pra briga. Construí a minha vida do zero e isso me cobriu de verniz. Já dei a cara a tapa, muitas vezes, talvez, mais que Jesus Cristo, mas dei muita porrada também, e aí vamos em frente? Não dá pra chegar no céu depois de morrer e pedir um whisky para São Pedro. “A vida é agora e não depois”, já dizia o poeta. Então, é: VIVA BARÃO PRA SEMPRE!

Fabricio Mazocco é jornalista, doutor em Ciência Política, professor universitário, fã de rock e criador do blog Rock 80 Brasil.