Tenho a impressão que o 11 tem uma relação com Humberto Gessinger que ainda não foi analisada sob a luz da ciência. Foi no dia 11 de janeiro de 1985 que Gessinger subiu pela primeira vez em um palco com uma banda chamada Engenheiros do Hawaii. Era no dia 11 de cada mês que ele fazia uma revisão de toda sua carreira em uma live pela Internet. E hoje, 11 de outubro, Humberto Gessinger está lançando seu segundo álbum solo de estúdio que contém 11 canções, o “Não vejo a hora”.
Gravado em Porto Alegre no primeiro semestre deste ano, o álbum traz Humberto envolto a dois trios, o “power”, junto com Rafa Bisogno (bateria) e Felipe Rotta (guitarra), em 8 músicas; e o “acústico”, com Paulinho Goulart (acordeon) e Nando Peters (baixo), em três músicas. Das 11 músicas, duas já foram gravadas anteriormente pelos parceiros de composição: “Outro nada”, com Bebeto Alves, e “Missão”, com Duca Leindecker. Além desses, o áĺbum traz parcerias de Gessinger com Rotta, Peters e Tavares.
Para falar um pouco mais sobre o novo álbum, o blog Rock 80 Brasil fez uma entrevista exclusiva com Gessinger. “Não vejo a hora” está disponível nas plataformas digitais e em CD, vinil e fita cassete no site da Stereophonica. Boa leitura e boa audição.
Rock 80 Brasil – “inSULar” e “Não Vejo a Hora”, o que separa e o que une as duas obras?
Gessinger – Minha caminhada é feita de equilibrar dualidades, contração e expansão, plantar e colher. O “inSULar” é disco com vários convidados, praticamente uma formação em cada faixa. “Não vejo a hora” é focado nos meus dois trios, power e acústico. O primeiro era mais variado, o segundo mais linear. Duas características intencionais. O que os une são minhas composições e performances. Acho que canto e toco bem melhor agora do que eu fazia até o “Pouca Vogal”. 2013 foi um ano de renascimento. Quanto à escrita, noto que sou um compositor gradativamente mais sutil e atemporal. Não falo isso pra me gabar, pelo contrário, até imagino que possa haver quem não goste destas características, que prefira bravatas e cores mais berrantes. Tudo pode ser, se feito com pureza d’alma. A diferença entre fazer arte e objetos de consumo é que um disco (ou quadro ou livro ou…) não torna o anterior obsoleto. “Não vejo a hora” não é um disco para substituir o “inSULar” como um smartphone novo substitui o antigo. Ele é mais uma pincelada no quadro que comecei a pintar em 85 e não tem data para ser concluído.
Rock 80 Brasil – “Não vejo a hora” pode dar sentido tanto para o passado (“não vejo a hora que passou”) como para o futuro (“não vejo a hora/momento chegar”). Qual dos dois tempos o disco se aproxima?
Gessinger – Mais uma vez, o que me cativou na expressão (que aparece num par de canções) é a dualidade: ao mesmo tempo um desabafo e uma esperança. Quem está vendo a metade vazia do copo pode pensar “putz, não vejo a hora disso terminar”. Quem vê a metade cheia pode pensar “oba, não vejo a hora daquilo começar”. É uma expressão mais oral que textual, a maneira de falar muda o significado. Tem também uma conexão interessante com a capa… mas vou deixar pra explicar ela no doc pois é um lance mais visual. Este ano optei por lançar o doc um pouco depois do álbum, pois acho interessante que este primeiro momento das pessoas com o disco seja mais sensorial do que racional. Lembro quando comprava, na minha adolescência, os LPs de bandas sobre as quais se tinha pouca informação. Parece que isso aumentava minha atenção e sensibilidade para o que estava ouvindo.
Rock 80 Brasil – Depois de tantos discos ao longo da carreira, seja como Engenheiros do Hawaii, Pouca Vogal e solo, qual a peça do “Não vejo a hora” nesse quebra-cabeça?
Gessinger – Acho que cada disco e cada passo na minha jornada joga um pouco de luz em tudo que já fiz. É muito frequente alguém me dizer um bom tempo depois: “ah, agora eu saquei!”. A releitura que fiz do “A Revolta dos Dândis” em 2017 me ensinou muito a respeito do meu trabalho, vi com mais clareza qual é a (pequena, bem pequena) contribuição que posso, como músico, dar ao mundo. E foquei nela.
Rock 80 Brasil – São 11, sendo oito gravadas com o “power” trio e três com o trio “acústico”. Elas já foram compostas pensando no formato do trio?
Gessinger – A maioria, influenciada pelo formato. Em algo bem prosaico, relacionado aos baixos. Parei de usar os de 4 cordas, foquei nos de 6, onde eu uso uma afinação bem pouco usual. Isso abriu várias novas possibilidades e inspirou muitas canções.
Rock 80 Brasil – Nas redes sociais acompanhamos sua presença em shows quando da sua visita para a Clara, como Paul Simon, Sting, Bob Dylan, entre outros. Esses shows têm alguma influência?
Gessinger – Tiveram muita influência. Não no som, pois não tenho talento pra copiar ninguém (sim, há que ter talento para isso), mas na atitude em relação à (longa) estrada. Além desses, vi King Crimson, Mark Knopfler e Robert Plant. Eu me aprofundo sobre o tema no doc que vai sair logo após o lançamento do disco. Os shows foram, obviamente, envolvidos por sentimentos mais do que musicais, o pano de fundo (ou de frente?) era o reencontro com a filha que está construindo seus caminhos num país tão diferente… pra abreviar uma longa história, eu diria que essas experiências renovaram minha paixão por minha arte/ofício.
Rock 80 Brasil – Temos neste disco composições com diferentes parceiros (Peters, Rotta, Tavares, Bebeto Alves e Duca). Como as letras “escolhem” os parceiros?
Gessinger – Por coincidência, escrevi todas estas cinco letras depois de receber as músicas. Então, foi mais uma questão de prestar atenção em quais sensações verbais queriam ser expressas por aquelas frequências musicais. O interessante de trabalhar com vários parceiros é que cada um tem uma noção diferente do que seja uma música. Para uns é uma sequência de acordes, para outros uma melodia, ou até mesmo um riff. Já uma letra, me parece que todos concordam com o que seja.
Rock 80 Brasil – Na estreia do “inSULar”, em Porto Alegre, os parceiros participaram. Podemos esperar os parceiros do novo trabalho no show de estreia, dia 9 de novembro, no Auditório Araújo Vianna?
Gessinger – Vão estar presentes os dois trios. Me parece que, ao contrário do “inSULar”, ali é que está o centro gravitacional formal do disco.
Rock 80 Brasil – O que muda em termos de cenário, estrutura e set list para a nova tour?
Gessinger – A partir de Porto Alegre entram 6 músicas novas. Meu desejo é fazer alguns shows pontuais onde eu toque todas as 11 novas, com os dois trios. Não é algo que eu queira fazer direto, no dia a dia dos meus shows, pois, como falei, um disco não vem para substituir o anterior. O novo cenário, além de se basear na capa, foi pensado para atender à possibilidade de shows com um ou dois trios.
Rock 80 Brasil – Se a sua carreira fosse uma bússola, para onde estaria apontando agora?
Gessinger – Para o próximo acorde, próxima palavra, próximo show. É uma bússola bem generosa, sem Norte fixo.