Augustinho Licks já cravou seu nome na música brasileira. Foi fundamental no “Deu pra ti anos 70”, na música do Nei Lisboa e no sucesso dos Engenheiros do Hawaii. Depois da sua saída do grupo, em 1993, Augusto sumiu. Sumiu? Diríamos que sumiu da mídia, mas como disse recentemente, deixou os palcos, mas nunca deixou a música. Um dos seus projetos é o Workshop “Do Quarto para o Mudo”, que chega em Belo Horizonte no dia 17 de outubro. Augusto Licks, que não costuma dar entrevistas, falou com exclusividade com o blog Rock 80 Brasil sobre o workshop e sobre música. Vamos conferir:
Blog Rock 80 Brasil – Como você define o workshop “Do Quarto para o Mundo”?
Licks – Para mim, é um exercício de felicidade: compartilhar conhecimento e experiência e, quem sabe, oferecer alimento para reflexão. Para os que participam, eu espero que aproveitem o workshop como uma oportunidade, para desfazer confusões, e para reforçar convicções de como ter a música como uma coisa boa nas suas vidas. Oportunidade que eu gostaria de ter tido quando comecei. O nome do workshop é de autoria de uma grande amiga, a Dedé Ribeiro, e define bem o movimento que procuro esclarecer entre música enquanto intimidade e música enquanto depoimento.
Blog Rock 80 Brasil – Como surgiu a ideia de fazer esse workshop?
Licks – Como acontece com algumas coisas, a ideia foi brotando informalmente e indiretamente, na convivência com estudantes, bate-papos com alunos de rádio na Universidade Fluminense, com alunos de teatro na Uni-Rio, e também com fãs. Aulas particulares têm a limitação de se dedicar todo um tempo para uma única pessoa, e de tender para um lado mais técnico das coisas. Aquelas conversas informais me demonstraram que é possivel atender várias pessoas de uma só vez e de uma forma mais dinâmica, em que a pergunta de alguém já facilita que outros se manifestem, enriquecendo o assunto conversado, seja ele técnico ou existencial.
Blog Rock 80 Brasil – Belo Horizonte será a próxima cidade a receber o workshop. Quais são suas expectativas de realizá-lo na capital mineira?
Licks – Alguns amigos mineiros costumavam dizer que “Minas é um país”, referindo-se ao quase incontável número de cidades daquele Estado. E é um país muito musical, a história está aí a provar. Tenho também boas lembranças dos shows que fiz por lá. Então, imagino que em BH a conversa poderá trilhar por asuntos de harmonia, melodia, sonoridades, ou não: pode ser que eu me surpreenda e predominem outros temas, afinal eles são oferecidos no programa como um “cardápio”. Já deu pra perceber que cada grupo de participantes acaba levando a temática pra um lado ou outro. Procuram usufruir daquilo que mais lhes interessa e parecem se satisfazer já que o workshop oferece bastante tempo pra se aprofundar em questões.
Blog Rock 80 Brasil – Como você vê o cenário atual de música no Brasil?
Licks – Como tudo e sempre, isso ficará mais visível num momento futuro, quando se puder olhar para trás, e na comparação com outros períodos especificados. Assim mesmo, a comparação não é exatamente justa, pois cada período tem seu contexto de facilidades e limitações, de ideias novas e ideias desgastadas, e de diferentes formas de se ouvir e fazer música. Acho que nos últimos quase dez anos o surgimento do iPhone e demais smartphones fizeram a maioria das pessoas mergulhar mais profundamente em águas já anunciadas antes com a internet e computadores. Uma grande imensidão de pessoas simplesmente não vive sem isso, na busca de auto-estima junto aos pares virtuais, e enveredando por soluções práticas do cotidiano, e assim a vivência musical inevitavelmente recebe uma nova coloração nesse estado de coisas. Mas a tecnologia não define tudo, existem coisas que não mudam, e essa mistura é um dos temas que abordamos no workshop. Ao responder previamente perguntas dos participantes de BH, eu já expressei uma opinião pessoal minha, de que a juventude hoje passa uma impressão de acomodada, nem as manifestações de junho 2013 parecem ter alterado isso. Talvez isso ressoe com gente que faz música pra explicar o porquê de muita gente reclamar da música de hoje. Ao mesmo tempo, está no próprio “fazer música” a chance de dar uma sacudida nisso.
Blog Rock 80 Brasil – E o rock brasileiro?
Licks – Rock é música brasileira, já faz tempo, ficaram no passado aquelas noções de que “nem bossa nova era legítima música brasileira”. A diversidade cultural brasileira se manifesta por seus vários redutos musicais, alguns majoritários, outros minoritários, uns mais explorados comercialmente, outros ignorados comercialmente. Uns mais criativos, outros mais populares. Das formas de rock, tradicionalmente se espera alguma atitude não-conformista. Ter uma atitude assim é sempre saudável, mas é preciso que ela seja identificada e percebida como isso e não apenas algum reordenamento de clichês. Há uma sensação recorrente de que as formas de rock padecem de carregar pesados clichês que em épocas anteriores simbolizaram alguma atitude, aquela história de “escola roqueira”, de posar como tal. Pra mim, fica a esperança de que eu esteja errado, ou que alguma garotada resolva tomar uma atitude. Mas isso eu falo porque eu aprecio atitude em música, mas não significa que isso seja absolutamente essencial. É direito humano (devia estar na declaração universal) de cada indivíduo gostar da música que quiser sem dar satisfação a quem quer que seja. Isso é território individual, que eu aceito e defendo, mesmo que eu não queira ouvir a maioria das coisas que se ouve por aí. Fundamentalmente, não é a música que as pessoas deveriam mudar, e sim a atitude de cada um/uma na vida real, assumir posições quanto às contradições que vivemos, de exclusão, de preconceitos, de falta de política, de falta de educação, de falta de saúde, e de como grande parte disso tudo é manipulado pela mídia e seus associados para que as coisas continuem mudando para não mudar.
Blog Rock 80 Brasil – Recentemente você tocou uma música com a cantora japonesa Tsubasa Imamura. Como foi subir em um palco depois de 21 anos?
Licks – Foi um teste de saúde, sobreviví. Emocionante retornar, apesar de não estar preparado, e encontrando no palco o carinho musical da Tsubasa.
Blog Rock 80 Brasil – Quais são os próximos passos do Augusto Licks?
Licks – A vida, um dia de cada vez. Alguns dias mais intensos do que outros, como terça-feira passada no Instituto Benjamin Constant, fazendo meu workshop para os deficientes visuais. São dias de efeito prolongado. Em 17 de outubro tentaremos reviver essa intensidade.
Respostas com profundidade do nosso Licks.
Seja bem-vindo ao lugar que vc nunca saiu,grande Augustinho.
Como é bom ler e ouvir Augusto Licks! Este cara faz muita falta no cenário cultural brasileiro. Que este Workshop e a sua participação musical com a Tsubasa seja apenas a ponta de um iceberg. 🙂