/“É um disco extremamente pessoal”

“É um disco extremamente pessoal”

“60” está lançado. Ritchie voltou à ativa com músicas que o inspiraram a seguir a carreira musical. Na entrevista a seguir, Ritchie falou com exclusividade com o blog Rock 80 Brasil sobre a década de 80, a seleção das músicas para o novo trabalho e os próximos passos.

Recentemente um crítico afirmou que o rock 80 tem uma importância maior no cenário musical que a Jovem Guarda. Você concorda?
Ritchie: O BRock dos anos 80 coincidiu com a chamada abertura política do país quando, pela primeira vez em décadas, os jovens artistas puderam se expressar livremente, sem censura, após 20 anos de repressão cultural. Foi um momento histórico para o país que coincidiu com o auge da TV aberta, em termos de alcance e qualidade de transmissão. Programas de auditório, como o do Chacrinha, aos sábados, eram assistidos pela
população inteira, independente de classe social. Isso teve grande impacto na indústria de discos, que também alcançou seu auge em vendas de discos e popularidade. Não vivenciei os anos 60 no Brasil e, portanto, não posso avaliar ou comparar o impacto da jovem guarda, embora eu saiba da importância até pelas influências que este movimento sessentista causou nos meus colegas artistas dos 80. São épocas de estética e estilo bem diferentes, porém ligadas, ambas com a sua devida importância cultural.

O que mudou no cenário musical dos anos 80 para agora?
Ritchie: Tudo. Acabaram os programas de auditório na TV aberta, o que foi devastador para muitos artistas do rock nacional, que perderam assim o elo vital com as classes sociais mais baixas. O rock migrou para o domínio da TV por assinatura, inicialmente acessada apenas por poucos privilegiados das classes alta e média. Sem acesso direto à música dos seus ídolos, o “povão” teve que recorrer novamente ao samba, ao pagode e gêneros afins. O rock nacional sobreviveu na voz das bandas mais politizadas, a maioria vindo de Brasília e São Paulo, mas uma boa parte da clas
se artística ficou no limbo cultural com esta mudança súbita de rumo. A ascensão do BRock no país começou a incomodar os majors que o percebiam como um concorrente direto aos artistas internacionais. Foi uma estratégia da indústria, uma tentativa de segmentar a música nacional, mas ela acabou por criar um vazio entre o rock mais visceral e elitista e o gosto popular. Hoje a indústria vive momentos de grande crise, principalmente devido à concorrência da internet e os downloads digitais. O disco físico está deixando de ser produto e a música está começando a se tornar um serviço público. Tudo indica que a música será consumida, num futuro próximo, sem restrições, mediante uma taxa mensal na conta do telefone ou algo parecido. Uma analogia próxima seria a maneira pelo qual consumimos água, sempre disponível na torneira, como se fosse “grátis”, mas cobrada “transparentemente” através de taxas mensais. Mas muitas águas ainda vão rolar até que a indústria encontre novamente as suas “pernas”. Ao mesmo tempo, nunca se fez tanta música como nos dias de hoje. Existem milhões de novos artistas e bandas sensacionais, apenas esperando serem descobertas por você na internet. Quem procure, acha.

Em seu novo trabalho você regravou músicas dos anos 60. Como foi a seleção?
Ritchie: Comecei com 154 músicas, terminei com as 15 do disco. Não foi fácil. Mas decidi logo de cara que seria um disco sem “obviedades”, como Beatles, Rolling Stones, Animals, Kinks, Beach Boys e outros medalhões da década. Não foi a minha intenção “chover no molhado”. Tentei selecionar músicas que tiveram pouco ou nenhum sucesso no Brasil, músicas que causaram grande impacto em mim, pessoalmente, quando ainda era menino estudando em colégios internos na Inglaterra. Eu quis fazer um disco de “crooner”, com orquestra, e isso acabou influenciando a seleção final, onde 9 das músicas têm o acompanhamento de cordas. Não o considero um álbum de “covers” e sim, um disco de interprete, e espero que ele seja recebido como tal pelos fãs. É um disco extremamente pessoal, foram estas músicas, mais até do que as dos Beatles, que me fizeram querer ser músico quando era um pacato garoto nos anos 60.

Ainda falando de 60, 60 anos é tempo de renovar?
Ritchie: É sempre tempo de renovar. Estou há quase 40 anos cantando num idioma “estrangeiro”. Este disco, além de ser um reencontro com as minhas raízes musicais, é um reencontro com a minha língua nativa. Descobri, após esses anos todos, o quanto tem sido (e ainda é) difícil cantar em português. Ao soltar a língua em inglês, eu pude me despreocupar com a dicção e a pronúncia e me concentrar apenas em interpretar. Foi uma redescoberta muito prazerosa para mim.

Quais os próximos passos?
Ritchie: Inicialmente quero levar este projeto às grandes capitais brasileiras. Nem sempre será possível apresentarmos o nosso show com orquestra, por questões de logística. Sou um artista independente, nosso orçamento ainda é bastante limitado, mas pretendemos captar recursos e/ou parcerias para ajudar na realização desse sonho. O disco foi lançado simultaneamente no iTunes mundial, o que possa eventualmente favorecer a realização de alguns shows internacionais. Eu adoraria levar este show para minha terrinha, por exemplo.

Fabricio Mazocco é jornalista, doutor em Ciência Política, professor universitário, fã de rock e criador do blog Rock 80 Brasil.